quarta-feira, 30 de abril de 2008

Fantasma...

Foi no 308.

Foi por causa do desaparecimento, aparentemente inexplicável, duma pasta com documentos que o invocaram. O enfermeiro de serviço comentou que poderia ser culpa do fantasma do quarto ao lado. Que se assim fosse, seria compreensível a pasta ter desaparecido. Por fim desvenda a identidade do fantasma: Fernando Pessoa morreu no quarto ao lado, o 308. Consta que o seu fantasma ainda habita aquele velho Hospital de Saint Louis, ou dos Franceses, como também é conhecido. Na parede exterior do quarto, que não consegui ver por dentro, um quadro com uma imagem dele e um poema. Tão simples que quase passa despercebido a quem, por uma ou outra razão, entra naquele corredor.

Porque quereria um fantasma e mais particularmente o de Fernando Pessoa (ou seria de algum dos seus heterónimos?), uma pasta com papéis e uma caneta? Quereria ele acabar algum poema? Ou apenas um pedaço de papel para continuar a descrever tão bem os cantos enevoados e obscuros da Vida, os da sua condição fantasmagórica?

Desperta-me alguma ironia aperceber-me do facto de que ele que viveu, não vivendo, muitas vidas, observando ao pormenor as mais simples e complexas contradições e paradoxos da condição humana, descrevendo-os com uma clareza desarmante em pequenos pedaços de névoa, procure ainda, em espírito completar ou quem sabe, descrever os equivalentes pontos difusos do mundo dos espíritos.

Por fim, o mistério é resolvido. O que se julgava desaparecido, aparece, vítima da logística e sem vestígio do fantasma.

Se o Fernando, em forma de fantasma, existe ou não? Não sei. Sei apenas que passou os seus últimos minutos de vida ali, no 308. E que me é impossível passar indiferente a esse facto...

Saurium